LI E GOSTEI: NÚMERO ZERO

CAPA NUMERO ZERO

MILÃO DE ECO É AQUI?

“A vida é suportável, basta contentar-se.”

Acabo de ler Número Zero, do recém-falecido escritor Umberto Eco.
Tomarei a liberdade de, utilizando-me da sinopse apresentada na orelha do livro, fazer nela algumas inserções entre parêntesis.
Os fatos ocorridos em Milão têm muito a ver com o que acontece no Brasil de hoje. Vejamos alguns trechos pinçados da obra.
“,,,os carabineiros entraram no escritório de Mario Chiesa, presidente do Pio Albergo Trivulzio, personagem proeminente do Partido Socialista milanês. Todos sabem disso: Chiesa tinha pedido propina em cima deum contrato com uma empresa de limpeza de Monza, negócio de uns cento e quarenta milhões dos quais ele pretendia receber dez por cento, e vejam que até um asilo de velhinhos pode ter boas tetas para se mamar” – pg. 51.
“Portanto o nosso editor vai ficar satisfeito de ver que se pode lançar uma sombra de suspeita sobre um juiz intrometido. Percebam que hoje, para contra-atacar uma acusação, não é necessário provar o contrário, basta deslegitimar o acusador” – pg. 123.
“Não viu como todos os entrevistados desta noite contavam tranquilamente que fizeram isto ou aquilo, como se esperassem uma medalha? Nada de claros-escuros em branco, os tráficos emergiram em plein air, como se fossem pintados pelos impressionistas: corrupção autorizada, o mafioso oficialmente no Parlamento, o sonegador no governo, e na cadeia só os albaneses ladrões de galinhas. As pessoas de bem vão continuar votando nos canalhas porque não acreditarão na BBC, ou não verão programas como os desta noite porque estarão grudados em algo mais trash…” – pg 206.
Vamos à sinopse.
Um grupo de redatores (Colonna, Simei, Maia, Braggadocio, Cambria, Lucidi e Constanza) , reunido ao acaso, prepara um jornal ( o Zero). Não se trata de um jornal informativo; seu objetivo é chantagear, difamar, prestar serviços duvidosos ao seu editor. Um redator paranoico, vagando por uma Milão alucinada (ou alucinado em uma Milão normal), reconstitui 50 anos de história sobre um cenário diabólico, que gira em torno do cadáver putrefato ( de Celso Daniel – ex-prefeito de Santo André) ) de um pseudo-Mussolini. E, nas sombras, a Gladio, a loja maçônica P2, o assassinato do papa João Paulo I, o golpe de Estado de Junio Valério Borghese, a CIA, os terroristas vermelhos manobrados pelos serviços secretos, vinte anos de atentados e cortinas de fumaça – um conjunto de fatos inexplicáveis (mensalão, petrolão, BNDESão) que parecem inventados, até um documentário da BBC (a mídia brasileira) mostrar que são verídicos, ou que pelo menos estão sendo confessados por seus autores.
O cadáver de Braggadócio (jornalistas e denunciadores da nossa atual realidade) entra em cena de repente na rua mais estreita e mal-afamada de Milão . Uma delicada história de amor se desenrola entre dois personagens, dois perdedores por natureza (Lula e Dilma): um ghost-writer fracassado e uma mulher perturbadora, que, para ajudar a família, largou a universidade e se especializou em cobrir casos amorosos de celebridades, mas ainda chora quando ouve o segundo movimento da Sétima Sinfonia de Beethoven.
Um perfeito manual do mau jornalismo que o leitor percorre sem saber se foi inventado ou simplesmente gravado ao vivo. Uma história que se passa em 1992, na qual se prefiguram tantos mistérios e tantas loucuras dos vinte anos seguintes, enquanto os dois personagens acreditam que o pesadelo terminou. Uma aventura amarga e grotesca que se desdobra na Europa do fim da Segunda Guerra Mundial até os dias de hoje.
A história começa – capítulo I – e termina – capítulo XVI – com a frase “Hoje de manhã não saia água da torneira”: talvez porque mesmo quando conhecemos a verdadeira história, nada muda — “A ilha de San Giulio (Brasil) refulgirá de novo ao sol”.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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