LI E GOSTEI: OS ANOS LOUCOS – PARIS NA DÉCADA DE 1920

COM MODI E NOIX-DE-COCO NA PARIS DA DÉCADA DE VINTE

Uma viagem fantástica teve início quando abri a primeira página de Os anos loucos – Paris na década de 1920 : “Ele era Modi, ela era Noix-de Coco — ou ele a chamava Haricot Rouge naquele inverno Grande Guerra quando os amantes não comiam nada a não ser feijão vermelho. Modigliani havia colhido uma flor recém-desabrochada e frágil entre as jovens alunas da Academia de Arte Colarossi: Jeanne Hébuterne, de 19 anos, o último grande amor do pintor”.
A viagem terminou, infelizmente, nas últimas das duzentas e oitenta e sete páginas desse trabalho incrível de William Wiser: “Com a chuva, as marcas de esferográfica em meu mapa viraram meros borrões. Mesmo assim localizo a lousa que cobre Amedeo Modigliani e Jeanne Hébuterne, a inscrição em italiano, as datas de suas mortes um dia depois do outro: “ 24 Gennaio 1920 — 25 Gennaio 1920” . Jeanne (cometeu suicídio) é descrita como a devotada companheira do pintor, que o amou “fino all’estremo sacrifizio” “.
Mas nada pode descrever melhor o momento histórico que vivi, — e que me proporcionou a riqueza de emoções sentidas durante os poucos dias que estive em Paris, entre o final da Primeira Guerra Mundial e a queda da Bolsa de Valores de Nova York em 1929 — do que as palavras de Telmo Martino:
“Entre as mortes do pintor Amedeo Modigliani e a de Sergei Diaghilev, o fabuloso produtor de balés, o século XX conheceu sua década mais mirabolante e criativa. Era quando todos precisavam estar em Paris. Foram os anos loucos que até hoje merecem a curiosidade e a inveja daqueles que não chegaram a tempo para a festa. Como observa, muito correto, William Wiser, responsável por esta orgia de livro, o fim da guerra não só acabou com um kaiser e um czar. Deu também um significado mais brilhante ao conceito de liberté, egalité e fraternité dos franceses. Paris virou o centro do mundo. Não só porque o câmbio era favorável ao dólar, mas também porque a cidade era a mais propícia do mundo para a alegria.
Os primeiros americanos a chegar foram os que tinham participado da guerra e queriam aproveitar as liberdades que a Belle Époque alardeara para o mundo, só possíveis na França liberal. James Thurber, E. E. Cummings, John dos Passos e Ernest Hemingway viram Paris e tentaram descobrir um jeito de ficar. Ezra Pound não esperou muito tempo. Circulava pela cidade como se ela já fosse de sua propriedade. Edmund Wilson também apareceu, apaixonado e rejeitado pela bonita Edna St. Vincent Millay, escritora de belos poemas. O casal, Zelda e Scott Fitzgerald, veio dar uma espiada. E foi apressado em sua conclusão: “Cultura vai atrás do dinheiro.” Voltou para Nova York, virou best- seller e, por fim, em 1925 acabou voltando.
Os outros não quiseram arriscar. Ficaram em Paris, publicando o que escreviam em pequenas revistas literárias que não paravam de nascer e logo morrer, numa infindável sucessão. Foi um dos vícios dessa época tão generosa em suas modas e manias repentinas. Gertrude Stein, antiga moradora da cidade, ocupava sempre espaço nessas publicações efêmeras, divulgando um pouco de sua enorme produção literária. No começo, seu famoso estúdio da Rue de Fleurus era hospitaleiro para os escritores americanos deslumbrados. Ernest Hemingway foi discípulo amado e, mais tarde, rejeitado. Ela era dona do melhor discernimento. Localizava com precisão a qualidade de uma frase ou de um quadro. Pablo Picasso foi uma de suas descobertas, como atesta o retrato que ele pintou dela, e que cada vez fica mais fascinante.

Atuando no mesmo setor das letras, tinha Sylvia Beach, dona da livraria Shakespeare and Company. Sua imortalidade ficou garantida por ter publicado a primeira edição de Ulysses, de James Joyce, um escritor sem tostão, que sempre se mostrava impertinente com seus benfeitores.
Mas Paris não era só um aglomerado de escritores exilados de terras mais provincianas. Era Coco Chanel, que mudou a cara da cidade com seus vestidos elegantes e confortáveis e seu perfume N.º5, até hoje uma mina de ouro. Chanel e o art déco da grande exposição de artes decorativas de 1925 são, para todo o sempre, a mais atraente imagem da década.
Paris virou vitrina e todo mundo queria entrar nela. Os negros americanos do le jazz hot chegaram na companhia de Josephine Baker, uma pantera desfilando outra pantera na coleira. Tinha Jean Cocteau e seu Le Boeuf sur le Toit. Mas o paraíso era dos americanos. Os milionários chegavam poderosos como Nancy Cunard, Sara e Gerald Murphy, Caresse e Harry Crosby, com Zelda e Scott Fitzgerald como testemunhas. Tudo era fácil e barato. Até 1929 e a queda da Bolsa. Aí todos foram embora, mas a história já estava feita. Nenhum outro século saberá repeti-la. Não tem problema. É assunto para um ótimo livro”.
Depois da leitura, ainda posso sentir os cheiros e sons, envolto na coloração cinzenta cambiante, como nenhuma outra, das ruas de Paris.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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