LI E GOSTEI: A SENHORA DAS SOMBRAS

CAPA-SENHORA-DAS-SOMBRAS

A SENHORA DAS SOMBRAS DE ELY
Página xxi

A vida é sempre surpreendente: e Ely também.

Nos últimos dez anos tenho me dedicado, em meus poucos momentos de folga, à fotografia.
Com a arte fotográfica e Roland Barthes aprendi a ler na obra de Ely que um conto erótico, ao contrário de um conto pornográfico, não faz do sexo um objeto central — ele pode muito bem mostrá-lo —mas ele leva o leitor para fora do seu, digamos, enquadramento. Sendo assim, o que denominarei punctum literário será, portanto, uma espécie de extracampo sutil, como se a leitura lançasse o desejo para além daquilo que ela dá a ver por meio da leitura: não somente para “o resto” da nudez psicológica, não somente para o fantasma de uma prática, mas para a excelência absoluta de um ser, alma e corpo intricados.
Segundo Chan, “nas artes cênicas – posso dizer com toda propriedade – o jogo de sombras e luz faz o espetáculo. O que se oculta e o que se revela são produtos de artífices, truques”. Assim também ocorre na arte fotográfica.
Por esse motivo, ler A Senhora das Sombras é como ver a foto de Mary Frank fotografada por Robert Frank, 1957: metade de seu rosto está nu de luz, coberto pela sombra.
Na metade vestida pela iluminação direta do sol, a luz atua como uma máscara: às claras, algo do rosto é ocultado. A sombra revela mais do que a claridade.
O retrato nos lança para o mar ao fundo. Somos sugados para esse mergulho de liberdade suicida através dos olhos fotografados de Mary. Eles cantam como as sereias.
Uma vez no mar, mergulhados, vamos para fora da imagem e para dentro do imaginado.
A fotografia pode cantar. No canto dos olhos de Mary está o que Roland Barthes chamou de punctum: aquilo que, em uma foto, nos transpassa.
Essa é a sensação incômoda que sinto ao ler a obra sombriamente encantadora de Ely, uma Encantadora de Serpentes.
Da mesma forma que Adrian Steinway Chan, faço minhas as palavras do presidente da União Brasileira dos Escritores: é um livro com uma atmosfera cheia de Sombras.
Sabemos que na mitologia, Hécate, é a Senhora das Sombras, das Encruzilhadas.
Ely é Hécate das letras, a grande deusa por excelência de nossa literatura. Ela é honrada por Deus que lhe permitiu manter os poderes sobre as palavras e seus mistérios. Associada à Lua e às sombras surge em A Senhora das Sombras qual protetora das magias e feitiços.
Escritora bastante ligada ao feminino, cuida dos nascimentos e mortes, auxilia na visão dos ciclos e tempos. Consegue olhar para o passado e o futuro sem perder-se da ação presente. Deusa das letras e das transformações, autora de Cartas a Cassandra, ajuda seus leitores a atravessar seus ritos de passagem. A autora de Tempo de Colher sabe acompanhar processos de profunda interiorização e solidão criativa da alma, iluminando com suas tochas e indicando novos caminhos para a jornada.
Profundamente amada e admirada Ely oferece, de certa forma, proteção e visão aqueles que a buscam.
Mas, caro leitor dessa jóia literária da autora de Girassóis de Girona, é preciso ficar atento à advertência do final do prólogo de Chan — que tive a satisfação de conhecer ainda jovem aluno nos tempos em que fui Coordenador Pedagógico no Colégio Santa Úrsula : cuidado para não se perderem nos labirintos esquizofrênicos que misturam fantasia e realidade.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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