LI E GOSTEI : O PROFESSOR DO DESEJO

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ANIMAIS CONDENADOS À SOLIDÃO ?

“Quase tudo, na verdade, é um efeito colateral de se estar morrendo”

John Green

Ao final da leitura de O Professor do Desejo tive que parar para pensar e buscar entender qual a origem da angústia existencial do personagem principal.
Segundo Luciano Trigo: “Nas entrelinhas, quando não nas próprias linhas, O Professor do Desejo afirma duas convicções fundadoras da literatura de Philip Rotyh, das quais muitos dos seus 31 livros são apenas variações. A primeira dessas convicções: os homens são animais. Temos dificuldades em respeitar os limites das convenções sociais. O sexo ocupa nossos pensamentos a maior parte do tempo — geralmente sexo adúltero ou coisa pior, fantasias inconfessáveis que, se expostas, deixariam chocada a mais libertária das mentes femininas. A segunda convicção é mais melancólica e profunda: os homens estão condenados à solidão. Não importa quantas mulheres passem por nossas vidas, no fundo seremos eremitas, reclusos emocionais, na juventude como na maturidade, casados ou solteiros, irremediavelmente vulneráveis mesmo quando aparentamos força”.
Pobre Roth e seu personagem David Kepesh que me parece não terem encontrado suas almas gêmeas.
David já em idade madura, ao lado de Claire, constata: “Na verdade , já não sou tanto o animal nem ela é tanto a vagabunda, nenhum de nós continua a ser lunático voraz, a criança depravada, o violador de nervos de aço, a vítima indefesa da empalação. Os dentes, antes lâminas e pinças, os dentes dolorosos dos filhotes de gatos e cachorros, são de novo apenas dentes, as línguas são línguas, os membros são membros. O que é, sabemos todos, como deve ser”.
Mas como é sublime aceitar as coisas como devem ser.
Como é bom viver deixando a vida nos levar mesmo sabendo “como a vida é fácil quando é fácil, e como é difícil quando é difícil”.
É preciso que tenhamos sempre em mente que o melhor momento para se viver ainda é o agora, se possível, ao lado de pessoas amadas: esposa, filhos, família.
Ao ler o livro de Roth lembre-me do filme Antes de Partir, com Jack Nicholson ( irritável bilionário ) e Morgan Freeman (simplório mecânico) , em que os dois pacientes, portadores de câncer, internados num mesmo quarto, ao tomarem conhecimento de que teriam pouco tempo de vida, resolvem fazer uma lista de coisas a serem feitas: e saem pelo mundo em busca de aventuras: saltar de pára-quedas, pilotar um Mustang Shelby em alta velocidade, admirar a grande pirâmide de Khufu, viajar pelas planícies africanas, lindas mulheres e refeições requintadas.
E descobrem ao final que o maior valor da vida de um ser humano é a família e a convivência que ela propicia.
Penso que o ideal seria David Kepesh viver duas vidas inteiras — uma sem regras, em plena liberdade sexual, pervertida; e outra na tranqüilidade de um lar com esposa dedicada, crianças saudáveis e felizes, numa família tradicional — sem que nenhuma delas sofresse os efeitos colaterais de se estar morrendo, não permitindo assim a possibilidade, em ambas, a hipótese da dúvida com relação à escolha feita: animal ou condenado, algum dia, à solidão.
Enfim, vale a pena ler Roth: um livro que está entre os maiores feitos na literatura dos nossos tempos, segundo o Village Voice.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
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