QUERO SER PLASTINADO

“O anatomista Gunther von Hagens concede entrevista coletiva na véspera da abertura de sua exposição “Body Worlds” (“Mundo dos Corpos”) na Alemanha”.
Numa dessas noites , quase vinte e três horas , quando todos da casa já estão dormindo , e quando nenhum programa na TV satisfaz , e o controle remoto permite uma navegação quase louca pelas dezenas de canais à disposição dos assinantes , dei de cara com um dos belíssimos trabalhos do “Dr Morte” , como é chamado o anatomista  Gunter Von Hagens.
E, durante mais de uma hora, assisti ao documentário da National Geographic , “Enigmas da Morte “ , e pude satisfazer minha curiosidade sobre a técnica chamada plastinação .
Essa técnica , inventada por Von Hagens, quando ainda era um estudante de Medicina ( a primeira experiência foi com um rim) , permite substituir a carne por matéria plástica , com manutenção da cor original dos tecidos , propiciando mostra de anatomia pura , sem putrefação nem odores , com a carne aparecendo despida da pessoa e oferecida para a aproximação asséptica.
Admirador que sou da complexidade que envolve o funcionamento do corpo humano e certo de que ali está uma das maiores obras do Criador , fiquei boquiaberto diante de corpos plastinados , expostos artisticamente , permitindo a nós, leigos , termos uma ideia real e palpável daquelas fantásticas estruturas.
O artista/anatomista — no império de plastinação que criou em Dalian , na China , onde prepara um corpo por dia , corpos esses , milhares , que são devida e legalmente doados — ao preparar um corpo , torna-o irreconhecível , não identificável , uma carcaça que será preparada para assumir poses como , por exemplo , a de um esportista em ação , ou alguém cavalgando um cavalo ou sobre um camelo .
Gosto muito , e me satisfaz a ideia de saber que meu cadáver , mesmo não podendo ser identificado , poderá resistir ao tempo numa forma tridimensional tão útil, exuberante e bela .
É ridícula a reação daqueles que se colocam como espiritualistas , que dizem acreditar em vida da alma após a morte, mas que, na prática, ficam horrorizados com qualquer forma de utilização do corpo humano. É inconcebível haver pessoas que acham normal ver corpos despedaçados em filmes sanguinolentos, mas não conseguem aceitar um trabalho que “ trata de reconstituir a beleza sob a pele — e não rompê-la com requintes de coreografia“ , como diz Von Hagens .
Tenho a esperança de , um dia , poder ver uma das diversas exposições que Gunther vem fazendo pelo mundo , apesar dos protestos de bioéticos como os britânicos Sandy Thomas e Tom Shakespeare que o acusam, dentre outras coisas , de voyeurista.
Maurice Maeterlink disse que, tão logo expressamos uma coisa com palavras , estranhamente ela como que se desvaloriza .
Assim é a obra monumental de Von Hagens : penso ser impossível traduzir em palavras as múltiplas sensações que seus plastinados cadáveres fazem ecoar nas mentes e nos corações daqueles que têm o privilégio de estar com eles.
Eu gostaria de ser plastinado e deixar meu corpo tornar-se uma obra de arte ao invés de ser devorado pelos vermes.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO

 

3-plastinado

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