DISCURSO DE POSSE DE ANTONIO CARLOS TÓRTORO CADEIRA NO. 24  – PATRONO  MANUEL BATISTA CEPELOS

 

EXMO SR. DR. LUIZ CARLOS RAYA, mui digno Presidente da ARL- ACADEMIA RIBEIRÃOPRETANA DE LETRAS.

Estimados acadêmicos.

Senhoras e senhores.

Amigos.

 

 

 

 

Desde o primeiro momento da aprovação de meu nome, tenho me perguntado o que poderei fazer pela ARL e não o que ela poderá fazer por mim.

A resposta é sempre  a mesma: eu estarei aqui para SERVIR.

Tenho consciência de que neste momento, assumo um compromisso com quase 50 anos da história, da tradição e da cultura de Ribeirão Preto.

Em seu discurso de posse o Prof. Dr. Geraldo Maia Campos lembrou as palavras ditas por Francisco Palma Ribeiro: “ Tem o destino certos desígnios insondáveis, que a mente humana não pode desvendar” — e completou — “quando poderia eu sequer imaginar que algum dia ainda viria a aumentar a “taxa de imortalidade” do País? No entanto, cá estou, e só Deus, ou o destino, sabe por quê”.

Faço minhas, e estou remoendo estas palavras, desde o dia 10 de dezembro próximo passado, quando recebi a notícia da aprovação de minha candidatura.

Esta data, aliás, foi muito significativa pois, a 10 de dezembro de 1872, nascia o Patrono desta Cadeira que ora assumo, o poeta Manuel Batista Cepelos. Ele aniversariava em algum lugar do Cósmico e eu ganhava o presente.

Outro aspecto marcante é que a aprovação de meu nome — dezembro de 1993 — e minha posse — março de 1994 — ocorreram próximas ao Natal e da Paixão, sendo que a carreira literária do poeta Cepelos, encerrada com a evocação dramática da Paixão, iniciara-se com um ingênuo poema inspirado no Natal.

Coisas de Deus ou do destino?

A obra poética de Batista Cepelos — nascido na Vila de Cotia, Província de São Paulo, filho legítimo do professor de primeiras letras, João Batista Cepelos e Maria Francisca Bueno Diniz  — realizou-se num período de vinte e três anos ( 1892 – 1915), a contar do primeiro poema publicado no DIÁRIO POPULAR, de São Paulo, quando o autor era Delegado de Polícia na cidade de Santa Rita do Passa Quatro, até a representação do drama sacro MARIA MADALENA. Surgido nas letras em pleno fastígio do Parnasianismo, Cepelos viria a acusar influências formais que não lhe afetaram profundamente a sensibilidade romântica, do mesmo modo, aliás, que as experiências simbolistas, a que se deu passageiramente. Que romântico, ele o foi sempre, por meio das tentativas de adesão aos movimentos literários em voga. Romântico retardatário, dirão. Como tantos outros de sua geração, sob leves disfarces impostos pela moda.

Desajudado de estudos propedêuticos regulares, só foi conhecendo e apreciando a literatura francesa do século XIX à medida que se ilustrava, em seus esforços de autodidata. Se o seu primeiro poema traz uma epígrafe tomada às GEÓRGICAS e se, em muitos outros, há alusões a obras clássicas, sente-se que sua cultura foi pouco além dos estudos regulares, embora, como em OS CORVOS , se comprazesse em citas latinas, com as quais o familiarizara o formalismo jurídico de então. Ávido de conhecimento e emoções, Cepelos, desamparado de boa formação humanística, pendulou desesperadamente entre teorias e doutrinas. As imposições da vida levaram-no a atividades que não correspondiam às suas aspirações. Do ambiente rural à caserna; da caserna às delegacias e pretórios: disciplina, armas, leis, libelos acusatórios.

No inconformismo dessas carreiras, os sonhos de vida literária, sempre dificultados. A grande porta da literatura era, em seu tempo, a imprensa. O poeta procurou abri-la : colaborador, diretor, fundador de revistas e jornais, conseguiu a divulgação de seus escritos. E, com vários livros publicados, procurou no teatro, mais direto contato com o público. Tal inquietação, também sofrida por outros poetas, concorreu para agravar suas dores de homem acicatado pela “persistência de uma desgraça nobremente suportada”, como escreveu Martim Francisco, em carta a Nilo Peçanha, a 28 de dezembro de 1914, ao solicitar-lhe a nomeação do amigo para uma promotoria pública.

Saído de acanhado meio provinciano, com letras primárias, Cepelos tinha apenas os ócios de praça-de-pré, pobres e desconfortáveis, para instruir-se. Padeceu os rigores da vida quartelenga de então, feita de durezas e intransigências.O estoicismo e o anseio de melhores dias abafaram as resistências de seu temperamento taciturno e orgulhoso. Se, por mais de uma vez, já agaloado, sofreu punições por pequenas faltas disciplinares, sua folha de serviço documenta zelo e probidade profissionais. De simples engajado, chegou ao oficialato, podendo, assim, levar adiante seus estudos. Queimando os olhos em livros elementares, gastando as noites em vigílias, aplicou-se a problemas e questões que lhe abririam as portas da velha e tradicional Faculdade de Direito de São Paulo. O que tantos haviam feito e fariam ainda, tão facilmente, com a carta de bacharel em Ciências e Letras, ele o conseguiu com estudos árduos, sem mestres, em horas roubadas ao repouso do corpo e do espírito. Durante o curso de leis, teve de suprir a ausência às aulas com a vontade persistente. Foi a tal preço que recebeu o diploma apergaminhado e o anel de rubi. Seu currículo acadêmico dificilmente seria mais brilhante, dadas as condições que lhe haviam imposto as circunstâncias. Formado, nova luta: autos, audiências, libelos, em pequenas cidades do interior paulista, sem ambiente para suas conquistas literárias, limitada a colaborações em jornais inexpressivos ,e a livros modestos, alguns custeados pelo próprio autor, com sacrifício dos minguados ganhos, esforço a que correspondiam êxitos muito apoucados. A crítica literária, no começo do século, apesar dos vultos eminentes que nela pontificavam, ou se encastelava em dogmatismos doutrinários e formais , ou erguia pontes levadiças à camaradagem tolerante e convencional.

O poeta não se queixou, apenas, dessa incompreensão desinteressada, ao transcrever, na 3ª. edição de OS BANDEIRANTES, excertos de cartas recebidas de confrades: “A crítica literária no Brasil, é mesquinha e deficiente; de maneira que, para fixar um juízo mais ou menos completo a respeito de uma obra de arte, é forçoso respigar as diversas opiniões manifestadas não só nas folhas efêmeras da imprensa, mas até na correspondência epistolar, sem caráter reservado”. Num desabafo íntimo, o poeta foi além: organizou num livro de recortes as referências publicadas sobre sua obra, e deu a esse pequeno arquivo um título intencionalmente cacofônico: ÁLBUM DA GLÓRIA (ELOGIOS, DESCOMPOSTURAS E ASNEIRAS) . Tal documento existe na Biblioteca Nacional, embora maltratado e incompleto, com páginas arrancadas por consulentes inescrupulosos.

Somem-se à revoltada insatisfação do poeta as  privações materiais e as dores morais que o afligiram. Nascido em família de boa origem, decaída na pobreza de um arraial de lavradores, ansioso por instruir-se e levar-se, Cepelos ergueu os olhos muito alto, apaixonando-se por uma jovem da alta sociedade paulistana. Houve oposição ao casamento, afinal consentido. Corria o noivado entre apreensões e vexames, quando, a 20 de janeiro de 1906, a cidade foi agitada por uma tragédia: o Senador Peixoto Gomide, Presidente do Senado de São Paulo, matara a filha Sofia, com um tiro, suicidando-se logo depois.

De formação cultural insegura, o poeta, bem dotado, pôs em versos seus estados de alma. Não que fosse dessa espontaneidade primitiva e ingênua, hoje tão apreciada como autenticidade artística, mas porque as influências  literárias que sofreu não tiveram ação decisiva na sensibilidade do autor.Ao contrário: seus sentimentos é que procuraram afinidades, filtrando-se por elas. Daí a multiplicidade de influências de escritores, que não revelam submissão, mas apenas convergências acidentais, de ordem puramente emotiva. É curioso observar que a personalidade de Cepelos, por meio de suas deficiências e exaltações — surtos e quedas” — como confessado num de seus livros, arma-se em trajetória ideológica segura, de desenvolvimento finalístico. Seus livros concatenam-se na própria ordem de publicação,  revelando uma evolução ininterrupta, no plano subjetivo, da incompreensão da natureza ( A DERRUBADA) , à inquietação interior (O CISNE ENCANTADO), ao encontro do homem ( OS BANDEIRANTES) à revolta social ( VAIDADES), para o deslumbramento da super-humanização cristã ( MARIA MADALENA).

A incompreensão da natureza é sensível, nos versos do poeta paulista. Criado em meios rurais, em contato cotidiano com a paisagem colorida e movimentada do campo, não conseguiu fixar suas impressões em A DERRUBADA. Mesmo em OS BANDEIRANTES, na sublimação da terra natal e no culto de seus heróis sertanistas, o cenário é apenas pano de fundo para a ação. Note-se que as estrofes de A MATA VIRGEM, nas reedições do poemário, passou a figurar às portas do livro, como se fora o palco vazio em que passariam a desfilar os vultos épicos do bandeirismo. É verdade que a floresta, como nos contos de fadas, participa do drama, o que reduz ainda mais a força paisagística do poeta, a concentrar a ação do meio na oposição aos heróis, do que sempre se valeu o maravilhoso poético, desde a intervenção de deuses e semi-deuses na  epopeia clássica. No poema inicial de Cepelos, o  tríptico  derrubada-queima-ressurreição é apresentado em cores convencionais. Em seu segundo livro, O CISNE ENCANTADO, sob influência do movimento simbolista, o poeta tentou integrar-se  em sua sublimação estética, não indo, porém, muito além de uma construção alegórica. Sem precisar direta filiação a outros poetas, o que já foi afirmado, O CISNE ENCANTADO prende-se a uma velha tópica, a do peregrino que sai pelo mundo à procura da felicidade e da paz.

Acreditamos que a proximidade do quarto centenário do descobrimento do Brasil, que viria a inspirar a Bilac uma cantata gratulatória, bem como a Proclamação da República, então recente, com sua onda de entusiasmo patriótico, hajam atuado na inspiração de OS BANDEIRANTES. O certo é que Cepelos mudou de rumo poético, parecendo a Bilac “haver descoberto ou adivinhado um caminho novo”. O tema bandeirante não era novidade porém, já versara Diogo G. Tinoco, em seu poema perdido, e muito mais próximo, o próprio Bilac, ao cantar os feitos do Governador das Esmeraldas. Vicente de Carvalho, em alexandrinos lentos e pesados, evocara a marcha dos batelões monóxilos pelos mansos e itapevas do Anhembi. A partida da monção dera a Almeida Júnior o motivo da mais conhecida de suas telas.

Não se limitou Cepelos, entretanto, a cantar as façanhas dos cabos de tropa, nem a gesta do Tietê. Evocou também a fundação de Piratininga, o arraial mineiro do Tijuco, São Paulo dos estudantes-poetas, a colina do Ipiranga, a música de Carlos Gomes e a paleta de Almeida Júnior. Em apenso ao volume, as rimas de MUSA PATRÍCIA fixam reminiscências  infantis, cenas folclóricas, intimidades familiares, mostrando,  em peças menores, esbatidas influências dos “cromos” de B. Lopes.

O aparecimento de OS BANDEIRANTES coincidiu com o grande golpe sofrido pelo poeta e, consequentemente, com o desmantelo de sua vida arduamente construída. Em 1907 divulgou-se a obra em prosa OS CORVOS, coletânea de crônicas amargas, numa das quais já quiseram ver argumento em favor da interpretação de suicídio, dada à morte de Cepelos: “Mas, como os dias são lentos e a vida progressivamente se torna mais intolerável, eu às vezes tenho ímpeto de atirar a carga ao diabo, e dar um mergulhão na eternidade”. Afonso Schmidt  contou-nos as privações  e os desânimos do poeta, nesse período doloroso de sua vida, a vender livros de porta em porta , para poder pagar casa e comida. Foi durante essa fase de penúria e humilhação que Cepelos compôs muitos poemas de VAIDADES, livro publicado em 1908, mas anunciado dois anos antes. Prefaciando o volume, Araripe Júnior entendeu que seu pessimismo não passava de atitude literária, sendo o autor, todavia, poeta de marcados instintos sociais. Queremos crer, ao contrário, que o tom desiludido e revoltado dos versos não lhes vem tanto dos temas, como do próprio estado de espírito de Cepelos, ferido e roubado em seus esforços e sonhos. A poesia dita “socialista” de Lúcio de Mendonça (NÉVOAS MATUTINAS, 1872; ALVORADAS,1875;VERGASTAS,1889; de Valentim Magalhães (CANTOS E LUTAS, 1879; Afonso Celso (TELAS SONANTES,1879; Raimundo Correia (SINFONIAS,1883); Fontoura Xavier (OPALAS, 1884) era predominantemente republicana e agnóstica. Não lhe foi estranha a doutrina positivista, com a crença na humanidade, em seus ideais de progresso e justiça social. A campanha abolicionista, inscrevendo-se nesse plano ideológico, politizava a revolta sentimental dos poetas neo-românticos. Mais tarde, o fuzilamento de Ferrer inspiraria poemas exaltados a Hermes-Fontes , Fanfa Ribas e Gomes Ferro. A inquisição íntima de Batista Cepelos predispunha-o  à adesão a essa poesia encharcada de revolta. Mais do que na obra de seus contemporâneos brasileiros, foi, porém, encontrar a expressão de seus amargores na obra de certos poetas franceses, notadamente Baudelaire. O autor de Les Fleurs Du Mal andava repudiado, entre nós, por exclusão parnasianista. O último a sofrer-lhe a influência fora Teófilo Dias, em FANFARRAS (1882). VAIDADES poreja pessimismo,  negativismo religioso, compaixão pelos humildes e desvalidos, incitamento à reforma social. A nota altruística predomina, porém, nesse encapelamento sentimental e nisso, principalmente, é que o poeta se manteve fiel a si próprio, preservando o núcleo de suas crenças abafadas pelo inconformismo ao sofrimento, repontando, aqui e ali, em prenúncios de reconquista moral. Circunscrevendo-se , embora, à análise periférica da questão social, entrevista em seus quadros de rua, alguns dos poemas de VAIDADES ficaram em nossas letras entre as mais fortes tentativas do gênero. Estágio de uma evolução que escapou a seus coevos, defrontados com uma obra em curso. A morte, “fixa” os autores, permitindo visão de conjunto, inapreciável nas reticências e interrogações do vir-a-ser. A poesia social de Batista Cepelos foi, a nosso ver, uma fase de sua recuperação cristã. Cepelos, velejando entre esses escolhos, em sua fé insegura, feita mais de sentimentos que de dogmas, procurava todavia, arribar a águas tranquilas. Venceu, afinal, o filosofismo epidérmico, bebido em leituras apressadas, o  desespero dos pensadores amargos, o exame unilateral de questões complexas, a angústia de poetas acicatados pelas torturas do pensamento e da carne. MARIA MADALENA não foi, assim, o resultado de mero capricho literário, mas o encerramento, definido pela morte de lenta e dolorosa recuperação religiosa. Escrito para o teatro, o poema ressente-se da necessidade de ajustar os episódios à concisão dramática. A figura de Jesus não é a que expulsou os vendilhões do Templo, admoestou Maria nas bodas de Caná e confundiu nos fariseus. É o Rabi de olhos mansos e gestos paternais, que curava enfermos no sábado, abençoava as crianças, perdoava pecados e multiplicava pães e peixes para matar a fome de multidões. A pecadora, por sua vez, não é a hetera de Magdala, convertida de chofre à palavra do Mestre; permaneceu mulher, amou e seguiu o Filho do Homem até o momento de sua morte, para descobrir a grande Verdade no deslumbramento místico da cena final, junto ao Calvário. O  poeta fundiu numa só pessoa a mulher que ungiu os pés do Senhor, a Madalena exorcizada e a irmã de Lázaro, seguindo, sem o saber, talvez, a opinião de São Gregório Magno. E foi além, unificando essas três mulheres e mais a Adúltera, deu-lhes por marido Barrabás. Maria Madalena ama Jesus em segredo e acompanha-o na esperança de que Ele a olhe como mulher. No Gólgota, diante do Madeiro, desfilam os doentes curados por Cristo, a negar os milagres que lhes haviam restituído movimentos, luzes e sons. Madalena, indignada, aponta-os, um a um, atira-lhes em rosto a ingratidão, apostrofando-os com violência. E à increpação de que , mulher perdida, nada mais faz do que defender um de seus muitos amantes, escorraça-os, a soluçar, compreendendo, afinal, o amor pregado pelo Nazareno de olhos de céu e gestos de benção.

Com esse poema dramático encerrou-se a obra poética de Batista Cepelos, que viria a morrer menos de dois meses depois da sua única representação.

O suicídio de Cepelos  cujo corpo foi encontrado, horrivelmente mutilado — aceito pela autoridade que dirigiu o inquérito aberto para apuração das circunstancias  em que se dera sua queda de uma pedreira, na Rua Pedro Américo, no Rio de Janeiro, na noite de 7 para 8 de maio de 1915, parece-nos inexplicável. Os esforços de indagação policial cingiram-se aos elementos factuais, confirmados pelos depoimentos de amigos do morto, que o disseram desiludido e deprimido. Custa crer, no entanto, que, às vésperas da recuperação social e financeira, nomeado que fora para um cargo público de relevo, Cepelos se considerasse um vencido da vida, ele que lutara por ela e contra ela, tenaz e longamente, encontrando  forças para resistir aos golpes mais profundos que um homem possa suportar. E, como adminículo de convicção, restam provas concretas: o apostilamento do título de nomeação, dias antes, na repartição competente, e os anúncios de uma récita do poema dramático, em benefício do autor, como era costume então, sem qualquer escrúpulo ou desdouro. Não param aí, entretanto, as induções que autorizam fundadas reservas às conclusões do inquérito policial . Quem se der ao trabalho de consultar os jornais da época saberá que, por indícios desprezados, se levantou debatida questão: crime, suicídio ou acidente? Afastada a primeira hipótese, negada a segunda, houve repórteres que defenderam a última, como única aceitável. Manuel Batista Cepelos entrou, porém oficialmente, para o rol dos trânsfugas da vida.  Para contradita-lo , temos apenas sua obra e algumas observações perdidas em páginas amarelecidas de velhos jornais. E nossa homenagem é esta: deixar ao morte, cristãmente , o benefício da dúvida.

 

 

Não cabe dúvida porém, a merecida imagem de figura legendária de sábio e humanista que tem entre nós o DR ANTONIO ALVES PASSIG, nascido em Ribeirão Preto a 28.05.1898, o meu antecessor nesta Cadeira no. 24 que tenho a honra de ocupar agora.

Infelizmente não o conheci pessoalmente, faleceu a 06.12.1990, em Ribeirão Preto, depois de se casar pela segunda vez, aos 83 anos, com a Sra. Zenaide de Moura Lacerda Alves Passig, e voltar de Santos — “o elefante fica velho e volta para onde nasceu” — como ele mesmo dizia — mas eu teria muito orgulho em ocupar uma Cadeira ao seu lado, após ter ouvido duas fitas cassetes — gentilmente a mim cedidas pela sua neta, Valéria, nas quais consta uma entrevista realizada com ele em 29.04.78 pelo acadêmico e radialista Dr.  Wilson Roveri, na qual Passig conta  um pouco de sua história, que se confunde com a própria história de Ribeirão Preto.

De forma agradabilíssima e didática, fala sobre a febre amarela de 1903, de seus estudos, de seu trabalho como médico e amanuense dos Correios e Telégrafos, do Professor e fundador que foi do Hospital São Francisco, de sua vida particular com D. Evangelina; da fundação da ACLE, cujo idealizador foi Gavino Virdes; de sua campanha contra o tifo, no Jornal ‘A CIDADE” , que resultou no primeiro sistema de água encanada e abertura de poços semi-artesianos em Ribeirão Preto; de seu amor por Eça de Queiroz — “Adorável Eça ! Grande e adorável Eça! “— como se refere ele ao escritor em artigo do “DIÁRIO DA MANHÔ que publica sua palestra realizada no Salão da Sociedade Legião Brasileira em 24.11.1945.

Fala sobre o início de sua carreira jornalística como profissional, em Belo Horizonte- 1916;  de sua vida de político social-democrata; de suas decepções; de um de seus melhores amigos, Costábile Romano; das revoluções de 30,32 e 64; das visitas de Getúlio Vargas à Ribeirão Preto; do Cassino Antarctica, da campanha contra a demolição do Teatro Carlos Gomes e sua construção; da luta pela preservação do Theatro Pedro II e a área da Praça XV, no Jornal ‘O DIÁRIO”; da história do Cel. Francisco Schmidt e do Bosque Municipal; das origens de Comercial FC e Botafogo FC; da fundação do Centro Médico, em ideia conjunta com o Dr. Osvaldo Urioste.

Todos esse fatos, o Dr Passig viveu, de tudo participou, de tudo se lembrava aos 80 anos, sem nenhum documento em mãos. Datas, nomes de pessoas, detalhes. História viva, ele amava o trabalho criador.

Também por meio do discurso pronunciado pelo Prof. e acadêmico, Divo Marino — em nome da ARL, em homenagem pública ao Dr Antonio Alves Passig, acadêmico, médico humanitário e escritor, que se mudava, em 1975, para a cidade de Santos — tomei conhecimento de que, quando nasci — 22.08.1949 — o Dr Passig  já muito, vivera, quer como cidadão, quer como médico, quer como intectual, sempre em espontâneo destaque como um sinal de direção às gerações que perenemente buscam o bem e o saber. Como lúcida testemunha da condição humana ribeirãopretana , era, em plenitude, o homem que sabia dos segredos: os iniciados procuravam-no nos momentos em que Ribeirão preto necessitava de uma explicação ou de uma voz.

No início da década de 70, nas tardes esmaecidas, de calor, sombras e arvoredos, na Praça XV, perambulava o Dr. Passig, — vivendo os ócios dignos da aposentadoria —  em busca de um bate papo amigo.

Aos jovens, como um filósofo helênico, desvendava alguns mistérios do mundo. Não todos, pois basicamente cético, apesar da militância espiritualista, não era um homem de derradeiras certezas. Com os velhos, sorrindo sempre, recordava a doçura de viver na antiga Ribeirão Preto. Oferecia a imagem perfeita de tranqüilidade e paz.

A cortesia de gentil-homem do Dr Passig escondia uma vida mental tensa, alicerce de homem de ação.

Ao Dr Passig não se aplicava a frase de Sêneca: “ Eles perdem o dia à espera da noite, e a noite, por medo da aurora”.

Assim, como a matéria revela suas energias latentes pela vibração dos átomos, o Espírito também se manifesta por uma vibração: o amor. E o intenso amor do Dr Passig pela sua Ribeirão Preto, e o amor da cidade pelo seu filho ilustre, continuaram, e continuarão vibrando, na perene demonstração da supremacia do Espírito.

Durante minhas pesquisas para realização deste trabalho, emocionei-me, particularmente, em dois momentos, ao encontrar menções feitas pelo Dr Passig, ao Patrono de minha Cadeira, no. 8 —  na ALARP –Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto —  o PADRE EUCLIDES.

Primeiro momento: em um artigo de “O DIÁRIO” – 19.06.83 – já com 85 anos, ele diz: “Um dos propugnadores da vida intelectual na cidade foi Padre Euclides, que fundou a Sociedade Legião Brasileira de Civismo e Cultura .  Padre Euclides era um homem carismático, que temos o orgulho de ter conhecido”

Segundo momento: em um artigo do ‘DIÁRIO DA MANHÔ intitulado “Impressões de Eça de Queiroz” – novembro de 1945 – ele diz: “A biblioteca da Legião estava cerrada à Eça de Queiroz. Ocorre que, pelo meu inesquecível amigo, o Padre Euclides, cujo nome declino sempre com o maior respeito e a maior admiração, Eça de Queiroz era considerado um autor imoral …

Foram dois momentos em que vi reunidos dois sodalícios —  ARL e ALARP —  por meio de meu antecessor em um, e meu Patrono em outro.

E eu, com a enorme responsabilidade de ter meu nome unido ao de ambos, procurando —  como o Fidalgo da Torre, em “A ilustre Casa de Ramires” , obra de Eça, considerada pelo Dr Passig como o ponto mais alto de sua carreira literária — alcançar a verdadeira felicidade, vencendo obstáculos na luta em favor da Educação, Cultura, e, pelo meu próprio esforço, erguendo-me entre as dificuldades, com o auxílio de meus colegas desta Academia Ribeirãopretana de Letras.

Muito obrigado a todos.

 

 

 

ACADEMIAS, ARE-Academia Ribeirão-pretana de Educação, ARL- ACADEMIA RIBEIRÃOPRETANA DE LETRAS, LITERATURA, SOCIAIS