UMA PEDRA NO MEU CAMINHO : ARTIGO DE AC TÓRTORO

 

Dezesseis horas de uma tarde infernal de inverno: a dor venceu o medo.

Eu estava sentindo, pela milésima vez, as “dores do parto” de uma cólica renal : a pressão 19×10 só abaixou com um comprimido de Captopril.

Chamei um taxi, e parti rumo à emergência do hospital, na Ribeirânia.

Parei na porta do nosocômio pensando em pedir que me “aplicassem” uma dose de cloroquina: agora só penso nisso.

Transposto o portal, carteira do plano nas mãos, balbuciei para a atendente: estou com muita dor, é cálculo renal descendo e rasgando uretra afora, e sou do grupo de risco. Disse isso porque queria sair o mais rapidamente possível do que atualmente estão chamando de antro do COVID 19, um hospital: dizem que pessoas estão morrendo em casa, com medo de saírem para se tratar.

Fui atendido imediatamente: todos com máscaras, todos distanciados,  pacientes sendo atendidos rapidamente, chamados pela tela da TV.  Coisa de primeiro mundo. Quase relaxei e retirei minha máscara. O espaço transparecia  perfeitamente asséptico.

A jovem médica parece sorrir para mim sob a máscara: conversamos sobre o motivo pelo qual eu estava ali: litíase renal (vulgarmente chamada de  pedra nos rins).

Após atendimento inicial, parti para os exames de sangue e urina, e aplicação dos medicamentos indicados. Saí da sala com pulseirinha branca e duas guias: uma para sala 3 – “coleta” –  e outra para a sala 7B – “medicação”.

Eu ainda não havia entregue meu copinho de urina para a enfermeira, e nem haviam coletado meu sangue, quando ouvi uma jovem enfermeira, escondida atrás de um balcão branco, dizer: Senhor Antonio, já estão prontos os resultados dos seus exames (Ureia, Hemograma, Urocultura e Creatina).

Estranhei a rapidez da saída dos resultados, mas cheguei a pensar que naquele hospital modelo, eles já tinham adquirido um ABC,  Aplicativo Bola de Cristal.

Obviamente, houve um engano. Os exames eram de outro Sr. Antonio: os meus somente estariam prontos após quase quatro horas, e milhares de gotículas que caíram pelo tubo que me ligava à bolsa de soro, ora com Escopolamina + Dipirona (vulgo Buscopan Composto), ora com cetoprofeno (Vulgo Profenid IV), isso  até por volta das 19h30. Tudo muito em ritmo de tartaruga: ora para não dar ânsia de vômito, ora para não esquentar as minhas septuagenárias veias.

Chegando em casa, ainda sob o efeito do Tramadol (Vulgo Tramal, para os mais íntimos) fiz um strip-tease na garagem, embriaguei-me no álcool em gel, e fui para um banho longo e relaxante: xô coronavírus.

E diferentemente da noite anterior, pude dormir sem as dores lancinantes, e as doses caseiras de Bi-profenid e Buscopan. Mergulhei num  sono dos justos.

No dia seguinte me senti um Ulisses. Não estava com tosse seca, não estava com febre, o oxímetro marcava 98. Eu estava muito disposto.

A sensação era de  alívio: era como se eu houvesse visitado o Inferno de Dante — com toda a certeza, atualmente,  povoado por milhões de Coronavírus —  imunizado  com a vacina de Oxford.

 

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