ADEUS TEREZINHA: GRANDE GUERREIRA

ADEUS TEREZINHA: GRANDE GUERREIRA – 29/03/1929 – 10/10/ 2019

“Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.”
Santo Agostinho

Morrer numa Sexta-feira da Paixão deve ser a glória, depois de bons anos vividos: minha mãe Terezinha acaba de falecer numa quinta-feira, não a Santa.

Mas ter nascido numa Sexta da Paixão, no final da década de vinte, numa cidadezinha perdida no interior, em que guardar o maior dos dias santos era obrigatório, e questão indiscutível, deve ter sido dose para Maison nenhuma — a famosa elefanta — botar defeito: minha mãe nasceu no dia 29 de março de 1929, e faleceu hoje, 10 de outubro de 2019, numa quinta de primavera, 16 horas da tarde.
Sabemos que na Sexta-feira Santa, em todo o mundo cristão, os sinos não tocam e o catolicismo, além disso, nesse dia não reza a Santa Missa. É, portanto, dia de luto integral e não de festa, daí não ser considerado, apesar do nome, dia santo de guarda e ser proibido, canonicamente, comer carne a não ser peixe, e ser obrigatório o jejum a todas as pessoas maiores de vinte e menores de sessenta anos. Chama-se esse dia, liturgicamente, parasceve (para os católicos, a Sexta-feira Santa e para os judeus, a sexta-feira, dia que se preparavam para celebrar o sábado), isto é, preparação, nome que lhe vem dos preparativos que faziam os judeus, nesse dia, para a Páscoa.
No meu tempo as crianças, eu inclusive, não faziam barulho algum (pelo menos não deveriam) . Chorar assustava. Rir e especialmente rir alto causava terror aos pais e demais pessoas, pois podia acarretar algum mal, pelo desrespeito à data. Aliás, as crianças, todas, viviam cheias de pavores pela Sexta-Feira Santa porque já semanas antes vinham os pais ou as empregadas domésticas matracando no que se podia e não podia fazer naquele dia. E lá vinham, de cambulhada, os castigos e desgostos que a desobediência àqueles preceitos trazia. Para os adultos, ouvir rádio e trabalhar, nem pensar, isso já a partir do meio-dia da quinta-feira.

E minha mãe teve a ousadia de nascer, explodir para a vida, num desses dias de silêncio total: e faleceu hoje, numa paz silenciosa que gritou ao mundo: dever cumprido.

Fico imaginando o constrangimento de seus pais querendo, mas não podendo, demonstrar a alegria que sempre vem junto ( ou deveria vir) com o nascimento de um filho.
No mundo o fato mais importante que ocorreu paralelamente ao nascimento de quem me deu a vida foi o casamento ( um dos cinco) de Ginger Rogers (atriz , dançarina, cantora de cinema e teatro dos EUA) com Jack Pepper, segundo o conhecido site de efemérides, Ponteiro.
Mas em Cássia dos Coqueiros (SP) — hoje com menos de três mil habitantes mas com uma linda cachoeira de oitenta e quatro metros de altura — nascia, para mim, a pessoa mais importante do mundo: a que me jogou nessa fantástica roda viva em que é possível vivenciar todas as emoções e experiências somente propiciadas pela existência humana.

Após quase um século — Terezinha da Silva Tórtoro viveu 90 invernos durante sua existência — nem sempre feita de verões e primaveras: mas sempre devota de Santa Rita , a Santa das Rosas.
Órfã de pais aos oito anos, casou-se jovem. Mulher guerreira, mãos de ouro para bordar e cozinhar, mãe enérgica, esposa fiel, quase não deixou o leito nos últimos oito anos, e quando o fez, foi sob a guarda do eterno companheiro, Claudio Tórtoro, da filha inseparável, Rita Maria, ou de uma das suas cuidadoras.

Terezinha da Silva Tórtoro faleceu, aos 90 anos, com a mesma idade em que faleceu seu esposo: agora formam um casal unido em outra dimensão, levados ambos pela indesejada das gentes.
Ambos não estão longe, apenas estão do outro lado do Caminho — Santo Agostinho.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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