ROD: MEU SOL.

“Ninguém ficou pobre por doar”.

Anne Frank

Duas horas e trinta minutos do dia dezesseis de agosto de dois mil e dezoito: madrugada da qual não esquecerei jamais, quando tive meu sono interrompido pelo telefonema da Lu anunciando a partida de nosso filho para outras dimensões: em poucos minutos, aos prantos e bradando lamentos, mesclados com louvores ao Senhor, cheguei ao hospital enquanto o corpo de Rod ainda emitia um calor, que se dissipou em alguns minutos, dando lugar a um corpo rígido e glacial.
Durante a tarde do dia anterior, meu filho, Rod, pediu-me uma injeção quando não suportava mais a dor que já durava por quase quarenta dias, apesar das doses de morfina. Mas a injeção não era para acabar com a dor ou com a falta de ar, apesar do oxigênio: ele queria uma injeção para poder morrer.
Rod, nesse dia, já havia recebido a Unção dos Enfermos e a Comunhão das mãos do meu amigo/irmão de longos anos, Padre Gilberto Kasper, e a unção por meio do seu Pastor preferido, Nelson Augusto dos Santos Filho.
Desconversei, apesar do golpe sentido, mas, a partir daquele momento não era mais possível deixar de falar sobre a indesejada das gentes com Lu — minha esposa — e Rod.
Lu deveria deixar claro para seu filho que abriria mão da felicidade de tê-lo fisicamente ao seu lado, pela certeza de saber que estaria definitivamente sem o vergastar de qualquer tipo de sofrimento.
Já passava das vinte horas quando oramos, e terminamos nossa conversa a três: um dos momentos mais difíceis de nossa vida.
Perguntei ao Rod, já com muita falta de ar e dor para respirar, se ele queria ir ou ficar, e ele respondeu da forma Rod de ser: “cinquenta por cento sim, cinquenta não”.
Essa conversa de nossa vida, só foi possível graças à sensibilidade de uma Enfermeira Gestora do hospital São Francisco, Lívia.
Ajudar uma pessoa pode não mudar o mundo inteiro, mas pode mudar o mundo de uma pessoa: e foi o que Livia fez ao mudar o Rod do quarto 264B para o quarto individual 271. No silêncio daquele quarto, Rod, nos braços da Lu, deu seu último suspiro cheio de dor e aflição.
A enfermeira Lívia — que não é a esposa de Publio Lentulus (Emmanuel) do romance “Há dois mil anos atrás” — fez jus ao seu nome ao agir somente com o coração: uma pessoa consegue grandes coisas não apenas por meio do trabalho, mas por meio de um serviço extraordinário. Quando alguém deixa sua rotina para ajudar alguém, isso faz toda a diferença no mundo.
E Livia fez a diferença: obrigado, anjo de branco.
Ainda no dia dezesseis, oito horas da manhã, já conversávamos com o cadáver gélido do nosso amado Rod: um guerreiro vencedor que levou o câncer, seu adversário maior, para o túmulo.
Aos pés do ataúde, sobre o qual repousavam as bandeiras dos três amores do Rod: Colégio Anchieta, Clube de Regatas e São Paulo Futebol Clube, deixaram suas mensagens e orações o Padre Gilberto, o amigo regateiro, Wagner Antônio Chiaratto, o Pastor Nelson Augusto dos Santos Filho e meu irmão de maçonaria, Máximo Duarte.

Dez coroas de flores — um mar de flores e verde que nosso herói amava fotografar — homenagearam meu guerreiro Rod em sua despedida: Colégio Anchieta, Família QFS , Rotary Clube, Grupo Amigos da Fotografia, Rita/Cesar e Leonardo, Clube de Regatas, ARE -Academia Ribeirão-pretana de Educação , ARL – Academia Ribeirãopretana de Letras, Prefeito Duarte Nogueira/ Samanta e Família Tórtoro. Centenas de mensagens foram enviadas ao Rod por nossos amigos via Instagram, WhatsApp, e-mails e telefones: algumas podem ser lidas no meu site: http://www.tortoro.com.br/blog/?p=11838.
Dezenas de pessoas vieram se despedir do nosso Príncipe Rod — como Elza Rossato gosta de chamá-lo — que ocupou o jazigo da família Tórtoro, número 7565, quadra 22, no cemitério da Saudade, ao lado do avô Claudio Tórtoro.
Que Rodrigo Degobbi Tórtoro descanse em paz nos braços de Jesus, depois de quase trinte e seis anos de luta renhida pela sobrevivência, contra
os nódulos da neurofibromatose.
Em tempo, registro um poema, publicado em meu livro de poemas, “Ecos”, escrito logo que Rod nasceu, levando no pequeno corpo manchas pardas:

MANCHAS

Meu sol
Como todo sol que se preza
Tem manchas.

Saturno
Belo e ornado de anéis
Tem manchas brancas.

Júpiter
Pai dos Deuses, Zeus,
Tem manchas vermelhas.

Meu filho
Neurofibromatose congênita
Tem manchas pardas.

As manchas são troféus sobrenaturais
Que quais estigmas de Cristo
São Vistos Cósmicos dados por Deus
Aos seus escolhidos do Cosmo.

As manchas lembram, falam,
Exalam significados, mensagens,
Imagens contando histórias,
Palmatórias talvez, do mundo.

As manchas do meu sol, genéticas,
São antiestéticas, nasceram em meiose,
Dose aleatória de translocação, sono,
Cromossomo dezessete, natural distração.

E as orações se tornam fermento.
No sofrimento ante temores, tumores,
Nossa dores encontram bálsamo em Maria,
Santa Pia, vela a vida Rosa Mística.
A heurística é altar de inspiração.

Então, ciência do homem pós-moderno,
Hodiernos arsenais, dispõe de luta
E na labuta de pesquisas enfim desvenda,
Retira a venda, se apossa das mutações.
Milhões em luta, dispensam-se Valquírias.

Meu sol, apesar e contudo, ilumina.
Como todo sol que se preza
Tem brilho.

Meu filho
Ser único sem par nos Universos,
Em versos compõe a vida,
Tem amor.
É.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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