LI E GOSTEI: NEVE NEGRA

NCAPA NEVE NEGRA

CHURRASQUINHO DE COELHO

“Um sonho só faz sentido como aspiração. Realizado, deixa de ser”.

Lendo o livro “Neve Negra”, de Santiago Nazarian, não pude deixar de me lembrar de uma crítica feita na Folha de São Paulo sobre o filme homônimo com direção de Martin Hodara, produção Argentina/Espanha de 2017: um conjunto de sinais que confunde até olhares treinados, mistura de bom nível de recursos, de efeitos embelezantes e de pretensões narrativas. A história é ambientada num local com ares de mal assombrado e isolado do mundo. Tem carcaça quente de um animal e marcas de sangue na neve. É uma narrativa cheia de volteios que alguns confundem com “complexidade” ou “inteligência”. Há transições sem cortes entre presente e passado, algo que pretende manifestar os traumas da relação, mostrar feridas não cicatrizadas. Quando ao final do filme, a trama é desfeita, descobre-se que todo aquele mistério não encobria grande coisa ficamos na mesma situação do turista que faz reserva para degustar um formidável “asado” , mas o que chega à mesa não passa de um churrasquinho de gato…
O nona obra do paulistano Santiago Nazarian, Neve Negra, se passa no dia mais frio do ano, na cidade mais fria do Brasil, Trevo do Sul (nome fictício) , em plena Serra Catarinense.
Confesso que, nas primeiras páginas, fui fisgado pela narrativa que oscila entre o terror psicológico e o drama familiar de alguém quem não conseguiu conviver com seu filho como gostaria de ter convivido durante o crescimento dele.
No enredo, um renomado artista plástico, Bruno Schwarz — um pai mulherengo, com sentimento de culpa por não passar muito tempo com o filho, e que praticamente abandona a família em favor de viagens de trabalho — acorda de um sonho e acredita estar numa realidade distorcida: seu filho de sete anos — Álvaro, Alvinho ou Vinho — também desperta suas dúvidas sobre a paternidade e opção sexual, que se estenderão numa longa madrugada de pesadelos, rodeada de coelhos e raposas embalsamadas, e com a participação de uma figura lendária, o Trevoso: “Dizem que ele entra na primeira casa que encontra, mata o morador mais velho, ocupa o lugar do mais novo, perturba toda a ordem do lugar”.
Em uma entrevista, disse o autor sobre o livro: “Já flertei bem com o thriller e o suspense em livros como Biofobia e Feriado de Mim Mesmo ( como Neve Negra, também vendidos para o cinema), e Neve Negra é um parente próximo desses, na estrutura minimalista de um cenário contido, com poucos personagens. Mas esse é assumidamente um livro de terror, ainda que um terror psicológico, mais onírico do que fantástico. O tema central é a paternidade e as paranoias que a rondam como: estou perdendo a infância do meu filho. Há algo errado com ele? O filho é mesmo meu?
O conteúdo do livro parece o resultado de um sonho/pesadelo que, esclarecido, deixa de ser.
Talvez por isso eu me senti como o crítico do filme Neve Negra: quando ao final do livro, a trama é desfeita, descobre-se que todo aquele mistério não encobria grande coisa, ficamos na mesma situação do turista que faz reserva para degustar um formidável “asado” , mas o que chega à mesa não passa de um churrasquinho de gato…ou seria de coelho?

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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